O novo momento da construção (digital)
Valter Frigieri | 02 Ago 2023
Publicado originalmente no Concrete Show Digital
O cimento é um insumo de construção com uma característica única: está inserido numa enorme variedade de obras, obras que geram produtos ligados ao atendimento de necessidades sociais, urbanas, logísticas e arquitetônicas.
Com essa compreensão, temos atuado articulando um amplo leque de parcerias com empresas e organizações que participam conosco de projetos transformadores. São projetos que modificam cidades, aumentam a produtividade das habitações ou a vida útil das estradas.
Nossas soluções conquistaram mercados, geraram uma enorme rede de parcerias e nos colocaram como um ator importante da cadeia da construção. Apesar dos resultados expressivos dos nossos projetos entendemos que deveríamos ir além.
A percepção da crescente importância da agenda ambiental, as enormes demandas sociais ainda não atendidas no país e a necessidade dos agentes de mercado de trabalharem com soluções viáveis economicamente trouxeram a inovação como variável central a ser desenvolvida.
A construção incorporou a inovação na sua agenda e progressivamente começa a investir no desenvolvimento das tecnologias inovadoras de interesse. Esta tendência vem mudando a dinâmica de empresas tradicionais do setor, cada vez mais interessadas em novas ideias. E atrai capital e talentos na busca das soluções de problemas em uma intensidade nunca antes vista. Isto tem viabilizado a criação de construtechs. Lentamente, avança nas escolas de engenharia.
Ela nos aproxima da tendência geral da sociedade e do mundo dos negócios: a geração de riqueza através do desenvolvimento de inovações – modelos de negócio, dispositivos, produtos, aplicativos, materiais, componentes e sistemas.
Mais do que isto, este movimento oferece oportunidades gigantescas para o setor e para a sociedade, pois deverá aumentar a produtividade e a lucratividade, diminuir custos e melhorar a qualidade e o desempenho das habitações, infraestrutura e das cidades. E precisa ser incentivado e acelerado.
Foi nessa perspectiva que nasceu o convênio que estabeleceu a parceria tecnológica entre nossa indústria, representada por suas entidades Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e o Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), e a Universidade de São Paulo (USP).
Uma iniciativa aberta para empresas, startups e academia que tem como objetivo ser um ambiente cooperativo de inovação especializado na promoção de soluções hardtech e pré-competitivas.
Um projeto que tem como premissas básicas o desenvolvimento de inovações que apresentem:
- Competitividade em países em desenvolvimento
- Baixa pegada ambiental
- Alta produtividade
- Qualidade e desempenho
Mais do que isto, coerente com o modelo de open innovation, o hubIC busca difundir as soluções e as ações que preparem o setor e a sociedade para a transição para uma economia digital e circular.
Lastreado por uma completa e moderna infraestrutura laboratorial, concentrada no entorno da Cidade Universitária da USP e da área metropolitana de São Paulo, o hubIC decidiu focar em inovação de base de engenharia de produto e está alinhado e comprometido em suas ações com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU – em especial os ODS 9, 12, 13 e 17.
INFRAESTRUTURA PARA O AMBIENTE DE INOVAÇÃO
Entendemos que deveríamos gerar dois espaços para abrigar as atividades de inovação: um espaço para abrigar empresas, pesquisadores e startups e um laboratório para produção digital. Realizamos um retrofit em uma de nossas áreas com o intuito de oferecer aos futuros parceiros de projeto um espaço moderno para trabalho colaborativo.
O Centro de Tecnologias Digitais da Construção – CTDC é um laboratório multiusuário para a produção digital de componentes de construção de pequenas e grandes dimensões.
CRIAÇÃO DA MARCA HUBIC E A CONQUISTA DE PARCEIROS
Entendemos que o processo de inovação deveria envolver diversos players da cadeia produtiva. Nessa perspectiva adicionamos a criação de um hub de inovação composto por empresas que se interessam pela possibilidade de trabalharem de forma conjunta e pré-competitiva em projetos de inovação.
Com a ideia de gerar pertencimento aos seus participantes e ser uma referência ao mercado, foi desenvolvida a marca hubIC.
A proposta de valor do hubIC para as empresas foi de ser uma aceleradora de projetos hardtech. E para isso, o consórcio adotou a seguinte estratégia e ações:
- Trazer players relevantes
- Agregar conhecimento nacional e internacional
- Estruturar processos metodológicos
- Apoiar o desenvolvimento dos projetos
- Apoiar a chegada da inovação ao mercado
Nas razões para ser parte do hubIC apresentamos os seguintes pontos:
- Instrumentalização dos profissionais para a jornada: ideia -> produto -> mercado
- Ser parte de uma rede que discute “dores” e oportunidades de forma técnica e implementável no mercado
- Acessar espaços tecnológicos, laboratoriais e de convivência com startups tecnológicas
- Acessar conhecimento de ponta no Brasil e no mundo
- Participar de projetos compartilhando recursos com empresas e outras fontes de funding
- Ser parte de um ecossistema com capacidade de influenciar mercado e política públicas
Em nosso primeiro ano de atividades conquistamos o apoio de 31 empresas (cimenteiras, concreteiras, projetistas, construtores, aditivos e outros fornecedores) que pagam uma mensalidade para participar do novo ambiente.
ATIVIDADES
As principais atividades estão ligadas à geração de conteúdo (difusão de conhecimento) e ao desenvolvimento de projetos pré-competitivos.
Difusão de conhecimento
As entidades envolvidas no convênio possuem extensa experiência em projetos de educação continuada e a adoção de plataformas digitais com esse fim tem grande potencial de ampliar o impacto desse esforço.
No hubIC, o foco principal é a capacitação para o desenvolvimento, uso de produtos e soluções inovadoras, sustentabilidade, qualidade e produtividade. O público-alvo é formado por projetistas, fabricantes, construtores e clientes.
Uma série de eventos (webinars, palestras e reuniões), alguns publicados no canal do hubIC no YouTube, foram disponibilizados na Jornada Hubickers.
Webinar / tech talk
Cursos
Até o momento foram realizados três cursos: Inovação hard tech para construção civil; Manufatura avançada (graduação da POLI-USP) e o projeto-piloto em Design Paramétrico para Manufatura Aditiva, que contaram também com a participação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP) – ambos ainda em andamento.
METODOLOGIA DE PROJETO / TEMAS
O método adotado assemelha-se a uma “fábrica de novos projetos”, em que um grupo técnico inicial busca empresas interessadas, estabelece em conjunto os temas de interesse de cada empresa e elabora o projeto a ser desenvolvido, que é custeado pelas empresas integrantes da iniciativa.
Nesse processo, os participantes identificaram gargalos e oportunidades relacionados ao universo de trabalho do hubIC, discutiram e avaliaram os temas propostos, priorizando alguns para uma discussão mais aprofundada nas Salas de Projetos às quais aderiram, e participaram, em conjunto com a ABCP, a USP e especialistas convidados, da estruturação de cada projeto, estabelecendo prazos, escopo, orçamento, funding etc.
A última etapa consiste na implantação da inovação, com apoio do hubIC. É importante destacar que as empresas que participam de determinado projeto definem as regras para inclusão de novos participantes e de compartilhamento de resultados.
Grupos de Trabalho formados:
- Impressão 3D em concreto > Projeto hubIC 3D – 11 empresas participam
- Inovação em cimentícios > Projeto Cimentos com Aditivos Funcionais – 9 empresas investiram
- Industrialização, construção modular, produtividade e impacto ambiental > IA aplicada à previsão do desempenho de cimentos e concretos – 9 empresas investiram
- Parede de Concreto > O grupo de trabalho buscou identificar lacunas tecnológicas que representariam um salto de patamar no sistema, mas não foi identificado um tema relevante
- Pré-fabricados Leves > o grupo de trabalho buscou identificar um objeto específico de desenvolvimento tecnológico, mas não houve um grupo de empresas dispostas a investir no tema
PROJETOS APROVADOS
Os projetos de P,D&I visam acelerar a inovação digital de baixo carbono na cadeia produtiva, valorizar a infraestrutura e o conhecimento da USP e da ABCP, promover projetos internos x consórcios e multiplicar o investimento atraindo parceiros. Investimento empresas + Embrapii: R$ 7.014.483,31. Os projetos em curso são:
Projeto Cimentos com Aditivos Funcionais
O objetivo do projeto é desenvolver soluções potenciais para formulação de novos cimentos com aditivos funcionais, com baixa pegada de CO2 e desempenho satisfatório, bem como desenvolver métodos de avaliação destas propriedades.
Projeto IA aplicada à previsão do desempenho de cimentos e concretos
O objetivo do projeto é desenvolver, testar e otimizar, de forma cooperativa pré-competitiva, modelos de IA (Inteligência Artificial) baseados em séries temporais que sejam robustos e possam prever o desempenho do cimento e do concreto com base em dados gerados atualmente pela indústria, e explorar métodos inovadores para a avaliação do desempenho destes produtos que sejam compatíveis com IoT (Internet das coisas) e possam agregar aos modelos de IA propostos.
Projeto 3D
O objetivo do projeto é desenvolver players e soluções com potencial competitivo. Utiliza soluções 4Constru e Scara e tem como eixos:
- Arquitetura e Projeto Estrutural – FAU
- Programação e Roteirização
- Materiais e Processos
- Normalização
Ficou estabelecido que o primeiro desafio do grupo é a geração de uma solução modular para cozinha.
PERSPECTIVAS
Com o sucesso dos dois primeiros anos, as atividades do hubIC estão se intensificando e cinco novas frentes de trabalho foram definidas:
- Diagnóstico e roadmap da descarbonização da autoconstrução
- Desenvolvimento de uma solução para vias de baixo tráfego com baixo custo e baixo impacto ambiental
- Gêmeos Digitais
- Captura de carbono
- Argamassas estabilizadas
A expectativa é que o ambiente de inovação criado apoie a jornada do cimento e da construção para gerar processos e produtos de menor pegada ambiental e competitivos em termos de custo e produtividade.
A inovação de base de engenharia é comparativamente mais difícil, pois depende de laboratórios especializados e de infraestrutura industrial, e certamente mais cara que a inovação baseada em software e modelos de negócio. Inovações que envolvem engenharia muitas vezes envolvem ideias que precisam ser desenvolvidas inicialmente na academia, que dificilmente conseguem ultrapassar um nível de maturidade tecnológica. Sem o engajamento de empresas e seu conhecimento, capital e inserção no mercado, estas tecnologias não conseguem se estabelecer no mercado, o que requer maturidade tecnológica, que exigem desenvolvimento industrial, mas que para vingar no mercado precisam ser adotadas e desenvolvidas por empresa.
A digitalização das atividades industriais já começa a revolucionar a indústria, inclusive na construção. Ela não se limita a modelos avançados de simulação, como BIM, que vem recebendo a devida atenção, mas envolve uma série de elementos, inclusive a manufatura aditiva, modelos de inteligência artificial, ferramentas de big data e a robótica aplicada. Como ela pressupõe a integração digital da cadeia, ela deverá varrer não apenas o projeto, mas a fabricação de materiais e componentes, a obra e o uso das construções, em especial de edifícios. Estes modelos ainda não estão estabelecidos nem tampouco existem aplicações que tenham escalado no mercado, com exceção do BIM.
A criação de conceitos e padrões compatíveis abertos de IoT (Internet of Things ou Internet das Coisas) na área de construção, de forma a permitir a troca de informações, é uma das prioridades do Brasil.
* Valter Frigieri é diretor da ABCP e coordenador ABCP do hubiC