Produtores brasileiros de cimento estão cautelosamente otimistas
Entrevista do presidente do SNIC e da ABCP, Paulo Camillo Penna, ao site BNamericas
Fonte: BNamericas / 10 de março de 2022
Concessões de infraestrutura e saneamento podem oferecer uma salvação para a indústria de cimento do Brasil. Entretanto, a demanda dos leilões de saneamento e rodovias costuma levar alguns anos para se concretizar. Enquanto isso, as previsões para 2022 são difíceis, à medida que os regimes de home office são eliminados e a demanda ligada a reformas nas residências cai, conforme afirma Paulo Camillo Penna, presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), nesta entrevista. Ele também fala sobre esforços de mitigação de custos, problemas de logística e muito mais.
BNamericas: Qual é o atual cenário do setor no Brasil?
Penna: Vale voltar um pouco no tempo para termos mais contexto da atual situação. Entre 2006 e 2014 tivemos um período de grande exuberância do setor no Brasil. Em 2014 chegamos a um volume anual de vendas de cimento de 72 milhões de toneladas, o que é um recorde. De 2015 a 2018, enfrentamos a pior crise da história da indústria, com cerca de 20 fábricas de cimentos no Brasil sendo fechadas, além de uma capacidade ociosa na indústria atingindo 47%. Em 2019, já com um novo governo e também com sinais de aumento da renda da população, o setor cresceu 3,5%. Essa recuperação nos surpreendeu porque continuou também em 2020 (crescimento de 11%) e 2021 (6%), dois anos de pandemia. Porém, esses números dos últimos anos ainda não foram capazes de representar uma recuperação da queda que tivemos naqueles anos anteriores.
BNamericas: Qual a expectativa de vendas para este ano?
Penna: Eu comecei o ano com a perspectiva de que, se mantivéssemos os níveis de venda do ano passado – ou seja, sem crescimento –, já estaria bom. Porém, temos visto um cenário de deterioração dos níveis de confiança dos consumidores e também vemos mais instabilidade financeira nas empresas, com aumento de custos. Temos que ponderar que a economia brasileira muitas vezes surpreende: na época da pandemia não era esperado o crescimento em vendas que tivemos, mas o cenário para este ano é de um viés negativo para as [expectativas de] vendas.
BNamericas: Qual a participação dos setores de infraestrutura e imobiliário para as vendas de cimento?
Penna: Em 2011, a infraestrutura representava cerca de 25% das vendas de cimento, o setor industrial demandava 20% e a área de construção imobiliária representava 55%. Hoje esses números mudaram. A infraestrutura representa 10% e o setor imobiliário cerca de 65%.
BNamericas: Você espera uma mudança neste cenário para os próximos anos?
Penna: Tivemos vários processos de concessões de infraestrutura e saneamento acontecendo nos últimos anos. Há um processo de maturação na infraestrutura. Os projetos concedidos nos últimos anos apontam para uma demanda maior de cimento para a parte de infraestrutura. Por exemplo, na área de saneamento, os projetos poderão gerar uma receita para as empresas de cimento de R$ 50 bilhões (US$ 10 bi). Imaginamos que, do período da realização de um leilão de concessão até isso se materializar na compra de cimento, exista um prazo de três a quatro anos. No saneamento, há muita demanda por cimento nos projetos de construção de estações de tratamento de água e esgoto.
Esta mesma expectativa de maior demanda por cimento e concreto também vale para as áreas de terminais portuários, aeroportos e, principalmente, rodovias. Hoje, o consumo per capta de cimento no Brasil é de 280 kg por habitante, enquanto na Europa, quando eles se focaram em projetos de infraestrutura, esse consumo per capita foi de 1.000 kg por habitante. Acho que, no Brasil, diante da agenda de infraestrutura, é razoável pensarmos em dobrar o consumo per capita de cimento. Hoje, só 12% das estradas do país são pavimentadas. Há uma demanda muito grande por cimento.
BNamericas: O setor vive hoje alguma pressão de custos?
Penna: Sim. E bastante. Até 2019, 50% do custo da produção de cimento era energia, sendo 15% de energia elétrica e 30% de térmicas, onde usamos o coque de petróleo, que é importado. O preço do coque de petróleo subiu muito nos últimos anos, assim como o frete marítimo, mas hoje praticamente 70% do custo da produção do cimento é energia. Além dos preços do coque estarem elevados, temos também um desarranjo nos fretes globais, o que encarece os custos [logísticos]. O cenário de custos é muito desafiador.
BNamericas: O que a indústria de cimento planeja fazer para mitigar os aumentos de custos?
Penna: Hoje nós já temos programas estabelecidos de redução de CO₂ na nossa produção. Como parte deste esforço, temos já reduzido o uso de combustíveis fosseis e aumentado o uso de combustíveis alternativos na produção, que passou de 9%, uns anos atrás, para 31% agora. Esses combustíveis alternativos na nossa produção são vários, desde a casca do babaçu até o caroço do açaí e o cavaco da madeira, que são materiais que podem substituir o coque. Além disso, temos também trabalhado em projetos de geração de energia com a utilização de resíduos urbanos.
BNamericas: O que afeta mais a percepção dos empresários do setor de cimento? As questões domésticas ou as internacionais, hoje mais centradas na guerra entre Rússia e Ucrânia?
Penna: A indústria de cimento brasileira tem uma exposição muito pequena a exportações. O que preocupa a respeito da questão internacional é como isto afeta os custos da indústria. Mas os fatores domésticos são aqueles que mais nos afetam, como inflação, juros e desemprego. O setor de cimento no Brasil foi muito beneficiado no começo da pandemia, porque muitas pessoas começaram a trabalhar de casa e isso as motivou a fazer reformas.
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